"Vou-me embora, vou-me embora ... Eu aqui volto mais não ... Vou morar no infinito ... E virar constelação” (Portela, Samba Enredo 1975 - - Macunaíma

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Comentário - Chico Lopes


“Tenho a impressão de que ‘Macunaíma’, que li nos meus anos de juventude repletos de descobertas quanto à literatura brasileira e reli uns 20 anos depois, mais sereno e cético, sempre foi para mim uma espécie de fantasma multicolorido a pairar na consciência brasileira. Preguiça, sensualidade desabusada, troca de raça e cor, venalidade feliz, abjeção carnavalesca, a fuga por um mosaico alucinado de Brasis. Não se pode pensar o Brasil real sem o ‘o grande Mal’ divertido de Mário de Andrade. Esse herói, tão assumidamente alheio ao heroísmo clássico, é visto sempre como pouco heróico e, no entanto, não me parece apenas assim. Diria que o sinto também como um herói trágico, dionisíaco, e lutando com um dilema que assola os brasileiros desde sempre e não dá sinal de solução: o da identidade, simbolizada pelo amuleto muiraquitã. A decantada ‘falta de caráter’, em geral vista como um sinal de abertura e legitimação para a corrupção e a farra, parece carregar tintas mais sombrias, nos últimos tempos. Como o país vem progressivamente se tornando gravemente desconfiado de seu mito nacional de cordialidade, é possível que Macunaíma já tenha assumido um outro perfil e seja menos alegre que o grande Pândego que habitaria sob nossos paletós e gravatas. Mas esse lado sombrio nunca esteve descolado de sua totalidade. Macunaíma é um símbolo de muitos usos e infindáveis sentidos. É o símbolo maior de um país com uma estranha propensão a uma perversa alegria desenfreada e a se perder de si mesmo, fazendo trágicos mergulhos sem volta em rios repletos de miragens”.



(Francisco Lopes, ou simplesmente Chico Lopes, é um escritor brasileiro)


By Marlon Barbosa

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